Quem olhasse para aquele jornalista abatido por inúmeras doenças e com uma tristeza perene no olhar talvez não desse muito por ele ou até o menosprezasse. A aparência, verdadeiramente, não era o seu forte. Foram muitas as vezes que os amigos o viram entrar nas redações dos jornais com o terno roto, a barba por fazer e o cabelo em desalinho. Desleixo? Os que acompanharam as dores de sua vida não diriam assim. Contariam, antes, as peças que o destino lhe pregou, cada uma delas com um personagem diferente. Numa hora, o luto; noutra, a miséria; mais à frente, a fome e, logo à espreita, a tuberculose.
As aflições o arrasaram, sem dúvidas. Mas, por incrível que pareça, não foram capazes de lhe eclipsar os fulgores do raciocínio. Pelo contrário: incandesceram-no ainda mais. A tragédia virou arte e inaugurou um estilo inconfundível. Basta uma frase para que se revele o universo rodriguiano.
O filho do Recife é, para muitos críticos, o maior dramaturgo da história deste país. Ninguém levou a humanidade para os palcos como Nelson Rodrigues. Com “Vestido de Noiva”, o teatro brasileiro saiu do amadorismo e entrou na modernidade. O Brasil passou a ter o seu Shakespeare e também o seu Pirandello. Ou seriam eles o Nelson inglês e italiano?
Na crônica esportiva, o velho homem de imprensa também escreveu um capítulo à parte. O ex-repórter tinha um pendor místico. Sabia dar a qualquer ponto amarelo o esplendor do Sol. Desse modo, jogadores anônimos e conhecidos se tornavam mártires e heróis em partidas comuns que o cronista tricolor transformava em jornadas épicas – “à sombra das chuteiras imortais”. O atacante mais obscuro podia, de repente, fazer um golaço e, nas palavras do escritor, a pintura em campo ganharia a dimensão de um legítimo Portinari.
A escrita visceral e compulsiva levou o autor a uma produção extraordinária. Peças teatrais, romances, crônicas, ensaios e contos saíram de sua máquina de escrever. “A vida como ela é...” convocou Nelson Rodrigues para contá-la. Como base, deu-lhe as ruas, o ônibus, o cafezinho, os desafetos, os amores, o mundo. E dele recebeu, em estado incessante, os relâmpagos criativos.
Dito isso, o Brasil Cultural pede os refletores do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e os holofotes do Maracanã para apresentar o primeiro episódio de Nelson Rodrigues: o estilo à flor da alma.
Ricardo Walter