Afastar-se de vez em quando. Buscar a realidade com os próprios olhos. Discernir o mundo sem plagiar a opinião alheia. Em tempos de redes sociais e influenciadores, as tarefas descritas parecem bem difíceis. O universo digital, sutilmente, induz o sujeito a negligenciar a atividade do pensamento. Se não bastassem os empregos, o raciocínio também foi terceirizado.
Em qualquer esquina, há alguém versando sobre os mais variados temas – que vão das guerras aos índices econômicos – com uma velocidade de trem-bala. As falas revelam que o indivíduo, de alguma forma, reconhece, em si, uma potência, como quem diz “eu também posso opinar”. E isso é legítimo. Houve um tempo em que as ruas admitiam, humilhadas, que a inteligência era propriedade dos acadêmicos: “fulano estudou, tem diploma, é doutor”.
O jogo virou. Após ler um texto curto no “grupo da família”, o cidadão já se sente apto a descrever o movimento das estrelas e até arriscar pitacos sobre física quântica. Os mais apressados no julgamento dirão: “ignorantes!”. A ofensa, porém, deixa escapar o óbvio ululante. O homem comum descobriu que também pode ter acesso ao que antes era exclusividade dos intelectuais. Mesmo entendendo mal, acreditando em mentiras deslavadas, o cidadão se vê maior, mais inteligente, quando consegue sustentar alguns minutos de oratória. Não são apenas as precárias condições de trabalho que machucam o operário. Ver-se como mera mão de obra também causa feridas profundas, mesmo que inconscientes.
O WhatsApp nosso de cada dia (essa instituição!) demonstra um desejo incontido pelo saber. Às vezes, a pessoa que jamais leu um livro está desfrutando das suas primeiras experiências literárias no celular – “olha só o que o seu tio me mandou”. O pendor está aí revelado. Cabe às políticas públicas fazerem a sua parte. A vida não é uma tela diminuta. Nela, há palcos, bibliotecas, escolas, cinemas, ateliês, museus, universidades...
A partir de agora, o Brasil Cultural mergulha nas máximas filosóficas do escritor que enxergou a vida “pelo buraco de uma fechadura”. Enquanto muitos gritam: “o sistema! O sistema!”. Nelson ainda aponta: “o indivíduo! O indivíduo!”. Parece que por trás das cortinas do teatro social, há desejos reprimidos.
Já está no ar o segundo episódio de Nelson Rodrigues: o estilo à flor da alma.
Por Ricardo Walter