Agora, o Brasil Cultural chama João Cabral de Melo Neto de “o poeta andaluz”. Algumas pessoas, mais afeitas aos pingos nos “is”, podem questionar, de pronto, a escolha: “ele não era pernambucano?”. Exato, não restam dúvidas, vocês estão cheios de razão. Como foi mostrado no episódio anterior, João nasceu no Recife e passou boa parte dos tempos de menino nos engenhos de açúcar da família, ali, bem pertinho do Capibaribe, o rio sem águas azuis.
A infância rica deu ao garoto uma formação cultural primorosa, que iria, lá na frente, auxiliá-lo a passar no concurso do Itamaraty. Apesar da abastança, João cresceu com fama de tímido e recatado. Vivia nos cantos, sem ânimo. Economizava palavras sonoras. Dizia “pra dentro”, com seus pensamentos. Em verdade, era antes de tudo um triste. Trazia retirantes no peito. Figuras como Severino, que saíam do agreste nos períodos de seca, em busca de trabalho na cidade grande. Como ele mesmo iria dizer mais tarde: “o que eu tenho é melancolia”. Outro mal que o acompanhou, ao longo da vida, foi a dor de cabeça. Crônica. Sem tréguas. Não havia analgésico que a fizesse cessar.
Mais tarde, na carreira diplomática, o escritor enfrentou um processo que resultou em seu afastamento da atividade pública. Quando na Inglaterra, teve uma carta pessoal interceptada. O conteúdo chegou à imprensa. No auge da Guerra Fria, foi acusado de “conspirar contra o Brasil” a serviço da União Soviética. O processo rendeu. O poeta ficou sem vencimentos e teve que trabalhar como jornalista no Rio de Janeiro.
Em dois anos, a tempestade passou. João reassumiu as suas funções e realizou o desejo de voltar para o exterior. Em 1956, o diplomata entrava em Sevilha. Ele, que já gostara de Barcelona no período em que foi vice-cônsul na Catalunha, viu-se arrebatado pela capital andaluza.
Tudo mudou. O homem recluso ganhou as ruas, tornou-se um boêmio. O poeta das pedras, dos versos enxutos, das rimas secas tomou a lira para celebrar a “cidade-mulher”. A revolução do gosto não parou por aí. João se apaixonou pelo flamenco – a arte espanhola atravessara-lhe definitivamente o sentimento.
O Brasil Cultural poderia colocar a alcunha de andaluz entre aspas, para marcar o improviso. No entanto, haveria sensível perda na questão do estilo. Colombo saiu da Andaluzia com o sonho de chegar às Índias. Nos descaminhos, encontrou a América. João Cabral de Melo Neto fez o caminho inverso. Descobriu Sevilha. E gravou-a em seus versos. Sentiu-se – e mais: viveu como andaluz.
Venham com a gente. Vamos fazer uma viagem para além-mar.
Ricardo Walter