De acordo com a 6ª edição do “Retratos da Leitura no Brasil”, o país perdeu quase 7 milhões de leitores entre 2020 e 2023. Um contingente de pessoas – similar à população inteira do Paraguai – não leu uma obra literária sequer no período citado. O levantamento foi realizado pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria). A divulgação é de 2024.
As causas do cenário descrito passam por fatores amplamente conhecidos: a desigualdade econômica, a qualidade do ensino nas escolas e o baixo letramento. Mas destrinchar esses problemas não está no escopo do texto aqui apresentado. A intenção paira, sinteticamente, sobre um dos efeitos inerentes ao fenômeno sociológico: a diluição da identidade nacional. O risco se torna factível quando um povo perde o contato com a sua própria raiz. Sem vínculos, não sabe de onde veio e, muito menos, para onde vai. Está perdido, desmobilizado intimamente, sem nenhum senso de unidade.
Ao longo do tempo, a oralidade tem realizado prodígios. No Brasil, os povos originários, quando não dizimados, passaram por verdadeiro processo de descaracterização desde a chegada dos portugueses em 1500. Ainda assim, certas etnias conseguiram vitalizar os próprios costumes por meio da palavra falada.
Destacado esse componente, sem dúvidas digno de louvor, é inegável que a escrita tem função decisiva na preservação de uma cultura. A memória coletiva, a difusão do saber e o sentimento de pertença à coletividade precisam da literatura.
A Europa, um dia rústica e medieval, recebeu formidável contribuição dos árabes. O povo do deserto introduziu no Velho Continente textos sobre filosofia, medicina, matemática e astronomia. Abriu um clarão para a ciência. O relógio das Eras marcava 711 d.C. quando Tárique ibn Ziyad atravessou, com suas tropas, o Estreito de Gibraltar.
Há também uma dívida histórica com a China – que legou, àquele tempo (século XII), aos futuros navegantes ultramarinos a técnica da produção de papel. Graças ao artifício, tornou-se possível a disseminação dos livros, antes escritos por meio do trabalhoso processo dos pergaminhos. A posteriori, surgiu a prensa de Gutenberg para reprodução em série das obras.
Pode-se dizer em bom som: a França de Molière e Rabelais; a Alemanha de Goethe e Schiller; a Itália de Maquiavel e Petrarca; a Inglaterra de Shakespeare e Dickens, porque houve um florescimento cultural cujo patrimônio artístico foi transmitido a gerações incontáveis de leitores.
Como se pode ver, o problema não está no contato, nas trocas, na universalidade do conhecimento. Se assim fosse, o Ocidente faria aritmética com os números romanos em vez de usar os algarismos arábicos. A questão é outra. Passa por se tornar uma cópia malfeita dos outros, sem apreço, inclusive, pelo próprio idioma – matéria-prima dos livros, do teatro, do cinema, da música.
Esse estado de coisas precisa da comunicação pública para ser evitado e, quiçá, revertido.
O Brasil Cultural já dedicou espaço a Machado de Assis, Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto. Chegou a vez de ir ao coração do país e passear pela planície alagada. Conhecer um pouco mais sobre o poeta que desejou “fotografar o silêncio” e “enxergar o cheiro do sol”.
O “Menino do Mato” chamou e, entre as aves canoras, vem chegando “O fazedor de amanhecer”. No horizonte, alguém lê Manoel de Barros: os versos mais lindos do Pantanal.
Ricardo Walter