João Cabral de Melo Neto, o poeta que ouvia a voz do rio
João Cabral ouvia o Capibaribe e, ao rio, não dizia uma palavra. Dialogava sem verbo. Depois de muito perceber façanhas e sofrimentos, o escritor contava-os aos homens: primeiramente, aos do seu tempo e, agora, aos da posteridade. Desse ouvir atento, nasceram proezas como “Morte e Vida Severina”.
25/07/2025
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“Que ouvia a voz do rio”: é exatamente isso que se quer dizer. Se fosse dito que ouviu, a ideia transmitida seria outra. Concluiriam que o fato ocorreu apenas uma vez, por obra de um evento incomum, marcado pela excepcionalidade. Se o entendimento fosse esse, estaria errado. João Cabral de Melo Neto ouvia a voz do rio. Ouvia sempre: quando menino, quando adolescente, quando adulto e... no cansaço da velhice. Só não diremos “quando poeta”, porque, quanto a isso, não houve transição. Ele nasceu poeta e, se não bastasse nascer, reforçou a vocação e fez-se poeta. Por gosto, decerto, e por necessidade de dar fluxo à arte que o caracterizava por fora – e infinitamente mais por dentro. Compreende?

Agora, vamos lá: que história é essa de ouvir a voz do rio? Por acaso tem rio que fala? Se a resposta for positiva, diga então: fala por onde – pelas águas? E, admitindo-se o “sim” como resposta, que homem era esse capaz de interpretar o marulho das correntezas? Porque, se o rio fala, não é por língua morta nem viva. Ou será que é? Se for, deve ter vínculos com a gente da terra. Uma oralidade de alfabeto próprio. Algo que só pode ser apreendido por quem observa e ama o lugar.

João Cabral ouvia o Capibaribe e, ao rio, não dizia uma palavra. Dialogava sem verbo. Jamais ousava interrompê-lo, até porque seria em vão. O fluxo precisava – como ainda precisa – chegar ao Atlântico. O poeta ouvia tudo em forma de histórico: dos cadáveres, dos objetos arremessados e da caminhada dos retirantes que margeavam o colosso pernambucano.

Depois de muito perceber façanhas e sofrimentos, o escritor contava-os aos homens: primeiramente, aos do seu tempo e, agora, aos da posteridade. Desse ouvir atento, nasceram proezas como “Morte e Vida Severina”.

Assim como o Capibaribe, o Brasil Cultural há de seguir seu curso. Em cada trecho, veremos o mesmo João — aquele que rodou o mundo como diplomata, mas nunca retirou o agreste do peito.

Ricardo Walter

Créditos

Entrevista:

1) Crítico musical, José Castello “De Lá Pra Cá” – TV Brasil (Youtube).

2) João Cabral de Melo Neto “De Lá Pra Cá” – TV Brasil (Youtube).